segunda-feira, 4 de junho de 2007

GATS, OMC e o ensino superior público

A Era da liberalização do comércio de serviços

Trata-se do Acordo Geral sobre o Comércio em Serviços (GATS) e é mais um dos acordos comerciais impostos pela Organização Mundial de Comércio (OMC). Tem um objectivo muito claro: impossibilitar os Estados de, sem obterem lucro, administrarem os serviços públicos, ou seja, sem um “empurrãozinho” privatizador. Permite-se assim à OMC dominar a actuação do Estado sobre os serviços públicos.

Chegou-se á última fronteira da globalização!

A OMC é uma espécie de controlador do comércio mundial, que tem um estatuto equiparado ao das Nações Unidas. Com poder para revogar leis, práticas e políticas que considere restritivas ao mercado, a OMC não contempla quaisquer normas de protecção do trabalho nem dos direitos humanos, assim como não contempla quaisquer princípios sociais ou ambientais. Permitindo o desvanecimento gradual dos condicionamentos ao comércio global, tem evoluído num sentido cada vez mais antidemocrático favorecendo apenas as “grandes barrigas do mundo”.

Ao se permitir que o GATS desmantele os serviços públicos por todo o mundo, força-se os países de "Terceiro Mundo" a abandonar os seus programas sociais públicos, abrindo as portas para as empresas estrangeiras entrarem e venderem os seus “packs” de educação e de saúde, mas apenas aos que possam pagar por eles! Os milhares que são deixados sem os serviços sociais básicos, nem têm voz. É este o espírito do liberalismo da gestão privada que quer invadir as nossas escolas: és lucrativo ficas, não és sais.

As negociações do GATS evoluíram de modo a dar as concessões dos serviços públicos às empresas. A Europa, não quis ficar na retaguarda de tal medida pioneira! e foi logo inscrever a educação no regime do GATS, abrindo os seus sectores da educação pública à competição das empresas estrangeiras.

Os países da União Europeia não fazem as suas negociações do GATS de forma directa, estas são feitas por intermédio da União. Aquilo que a União Europeia negociou na prática foi a abertura do ensino superior ao mercado. Esta abertura no entanto é feita de forma algo subtil. A União Europeia compromete-se com a abertura ao mercado do sector dos “serviços de ensino com financiamento privado”. E aqui é necessária alguma atenção, não se trata de ensino privado, mas sim de qualquer sector do ensino (primário, secundário ou superior) em que haja o recurso a dinheiros privados. E isto tem implicações importantes. Por um lado os “serviços de ensino com financiamento privado” (tal como qualquer outra área do sector dos serviços) ficam sujeitos a quatro regras fundamentais: uma empresa estrangeira pode providenciar livremente o serviço no nosso país; o consumo do serviço pode ser feito por cidadãos nacionais num país estrangeiro signatário do GATS; a possibilidade de presença comercial em território nacional (através de subsidiárias ou agências) e finalmente a possibilidade de as empresas prestadoras do serviço trazerem para o país os trabalhadores que prestarão esse serviço. O que é que isto quer dizer? Por exemplo uma universidade privada americana poderia dar diplomas em Portugal ou ter os seus diplomas reconhecidos em Portugal por imposição do GATS, ou simplesmente abrir uma delegação em território nacional em que até os professores poderiam ser trazidos dos Estados Unidos.

Tudo isto pode parecer razoável e até desejável para o desenvolvimento e a modernização do ensino em Portugal. Maspara além destes quatro modos de prestação de serviços algumas cláusulas importantes de regulação. A mais importante exige que não seja permitido o tratamento preferencial aos prestadores de serviços nacionais. O que é que isto significa? Voltemos ao exemplo da universidade americana que se instala em Portugal. Qualquer subsídio estatal a uma universidade nacional é visto, segundo as regras do GATS, como tratamento preferencial. E qual a solução? Ou o estado passa a financiar também a universidade americana que se quer instalar em território nacional ou simplesmente deixa de financiar a universidade nacional. Ora isto poderia parecer um assunto de menor importância se estivéssemos a falar de financiamento do estado a universidades privadas nacionais. O que temos que levar em conta é aquilo que se passa no ensino superior público quando sucessivos governos têm vindo a restringir o orçamento para o ensino superior. Algumas têm procurado na parceria com empresas uma forma de financiar parte da sua actividade de investigação. Outras apertadas pela asfixia financeira serão forçadas a recorrer a investimentos e consórcios com entidades privadas ou à formação de empresas privadas próprias para a angariação de fundos. Estas é são aliás possibilidades defendidas com entusiasmo quase unânime pelas autoridades que tutelam e gerem o ensino superior. Tudo isto coloca as universidades públicas dentro do apetecível sector dos “serviços de ensino com financiamento privado”. O que por sua vez faz com que o financiamento do ensino superior público tenha que se reger pelas regras da OMC.

Restam ainda duas questões. A primeira é que dentro do pacote de propostas lançado pela UE nas negociações do GATS, os países membros da União podem definir cláusulas de excepção em qualquer um dos quatro modos de prestação de serviço apresentados acima. Portugal no entanto não apresentou nenhuma, ou seja, contentou-se com a proposta da UE de liberalização total do sector dos “serviços de ensino com financiamento privado”.

A segunda prende-se com o facto de o GATS prever que os estados possam reservar alguns sectores de serviços para o monopólio público. Ora um ensino público com financiamentos privados deixa de ser um monopólio público por muito que o governo insista no contrário. E se dúvidas houver (por exemplo levantadas por uma universidade privada estrangeira que queira investir em Portugal), elas podem ser resolvidas pelo Painel de Resolução de Disputas da OMC. A mesma que promove a liberalização dos serviços públicos a nível global.

O que se retira de tudo isto é que, independentemente dos problemas com que a OMC se defronta, a União Europeia e Portugal desde 1994 têm uma estratégia definida com vista à liberalização comercial de todos os graus de ensino. Um processo que saiu do papel e tem vindo a ser implementado nos últimos anos e que ao nível do ensino superior vai avançar de forma decidida rumo à privatização se for implementado o novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior proposto recentemente pelo governo.

Diana Neves e Rui Borges

European Communities and their member states, Schedule of Specific Comitments (GATS/SC/31, 15 de Abril 1994), em www.wto.org

Glenn Rikowski, Schools: the great GATS buy (2002), www.ieps.org.uk

Pedro Araújo, Ministro compoder para passaruniversidades a fundações, Jornal de Notícias, 8 de Maio de 2007.

Um comentário:

José Carrancudo disse...

Quem ainda acha que as Universidades podem ser tratados como prestadores de serviços educativos, deve estudar o caso da Inglaterra, que conseguiu destruir o seu ensino superior público em pouco mais de 10 anos. Infelizmente, esta Ministra sabe tão pouco da Educação como os seus antecessores, e só se preocupa em poupar dinheiro.

O País está em crise educativa generalizada, resultado das políticas governamentais dos últimos 20 anos, que empreenderam experiências pedagógicas malparadas na nossa Escola. Com efeito, 80% dos nossos alunos abandonam a Escola ou recebem notas negativas nos Exames Nacionais de Português e Matemática. Disto, os culpados são os educadores oficiosos que promoveram políticas educativas desastrosas, e não os alunos e professores. Os problemas da Educação não se prendem com os conteúdos programáticos ou com o desempenho dos professores, mas sim com as bases metódicas cientificamente inválidas.

Ora, devemos olhar para o nosso Ensino na sua íntegra, e não apenas para assuntos pontuais, para podermos perceber o que se passa. Os problemas começam logo no ensino primário, e é por ai que devemos começar a reconstruir a nossa Escola. Recomendamos vivamente a nossa análise, que identifica as principais razões da crise educativa e indica o caminho de saída. Em poucas palavras, é necessário fazer duas coisas: repor o método fonético no ensino de leitura e repor os exercícios de desenvolvimento da memória nos currículos de todas as disciplinas escolares. Resolvidos os problemas metódicos, muitos dos outros, com o tempo, desaparecerão. No seu estado corrente, o Ensino apenas reproduz a Ignorância, numa escala alargada.

Devemos todos exigir uma acção urgente e empenhada do Governo, para salvar o pouco que ainda pode ser salvo.

Sr.(a) Leitor(a), p.f. mande uma cópia ao M.E.